sábado, 28 de fevereiro de 2009

COMJUVE planeja atividades para 2009.


O Conselho Municipal de Juventude (Comjuve), que representa a população jovem de Araraquara, na faixa etária de 15 a 29 anos, realizou na tarde de quinta-feira sua primeira reunião ampliada. No encontro, foi feito um balanço das atividades do Conselho em 2008 e também discutido o planejamento para este ano.O Assessor Especial de Políticas de Juventude, Marcos Daniel, colocou a Assessoria de Políticas de Juventude e o governo municipal à disposição dos demais integrantes, além de apresentar um plano de atividades para sua pasta. Entre os projetos em andamento, está o documentário Juventude no Carnaval. Ele ressaltou que o espaço jovem, atualmente funcionando na Casa da Cultura, pode ser transferido para outro local, com mais acessibilidade. Falou também sobre a comissão que foi criada pela assessoria para discutir e elaborar projetos voltados à juventude e sobre o andamento do plano de atividades para os próximos quatros anos do governo Marcelo Barbieri (PMDB).Segundo Walter Strozzi Filho, vice-presidente do Comjuve, no governo Marcelo, o conselho vai garantir as suas atividades com peso político na sociedade. “Somente com a nossa organização é que vamos conseguir obter vitórias”, disse.A próxima reunião do Conselho Municipal de Juventude ficou marcada para o dia 5 de março, onde será discutido o mês da Mulher.


Publicado no Jornal Tribuna Impressa - Dia 28 de Fevereiro de 2009 - Política

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Confusão da Secretaria de Educação atrasa aulas em S. Paulo.

Secretaria se meteu a aplicar "provinha" nos professores e meteu os pés pelas mãos. Aula que é bom só no dia 16.


Após derrubar na Justiça a “provinha” com que o governo do Estado queria submeter os mais de cem mil professores ACTs (Admitidos em Caráter Temporário) na atribuição de aulas, a Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo) desafiou a secretária da Educação a publicar as notas.No dia da prova, a Apeoesp registrou uma série de irregularidades - como erros nas inscrições, problemas na escolha dos aplicadores, denúncias de vazamento de gabaritos - que motivaram a entidade a ingressar com ação civil pública junto ao Tribunal de Justiça. Os problemas se agravaram no momento da divulgação da lista de classificação dos professores ACTs e estáveis, quando a Apeoesp recebeu denúncias de milhares de professores que prestaram a prova e apareciam no site da Secretaria Estadual de Educação como ausentes e, portanto, com a nota zerada.Até mesmo o acordo firmado pela Secretaria e o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) foi desrespeitado pelo governo tucano. Vale notar que os trabalhadores participaram somente como “testemunhas” neste caso, pois sempre se declararam contra a “provinha”. O acordo garantia equilíbrio entre a nota da prova e a experiência adquirida pelos profissionais, pois considerava o tempo de serviço. Esse não foi o critério utilizado na classificação apresentada pela Secretaria.Diante da postura da secretária da Educação, que vem divulgando dados seletivos e parciais sobre os resultados da “provinha” dos ACTs, a Apeoesp reivindica que o governo estadual publique, de imediato, a listagem completa com as notas de todos os participantes do processo. “A divulgação das notas é um direito destes professores e da sociedade. Consideramos que a divulgação da suposta existência de 1.500 professores que teriam obtido nota zero, num universo de 214 mil professores que participaram da prova, não é um método aceitável, pois macula a imagem de uma categoria que conta com mais de 100 mil professores admitidos em caráter temporário que, apesar de suas precárias condições de trabalho, asseguram a qualidade de ensino existente nas escolas estaduais”, afirma a Apeoesp.Além disso, o atual discurso da secretária não é bem afinado com o texto publicado no Diário Oficial de 5 de fevereiro, ocasião em que o calendário foi modificado, o que nunca foi uma proposta dos professores. “A importância em se garantir segurança e transparência no processo de atribuição de aulas para que não ocorram injustiças”, esclarece a Apeoesp, é uma das razões apresentadas para justificar a modificação do calendário proposto pela Secretaria. E é a própria secretária quem admite que o processo de atribuição não prosseguiu, pois não foi executado de maneira “transparente”, “justa” e “segura”. Se fosse “transparente, seguro e justo” na manhã do dia 5 não seria necessário mais tempo para ser apresentado.


Secretaria manobra para acobertar incompetência


“A secretária estadual da Educação vem procurando manobrar a opinião pública para tentar acobertar sua própria incompetência em enfrentar e administrar os problemas decorrentes da provinha que ela criou. Registre-se, aliás, que a Apeoesp a alertou sobre a necessidade de que fosse contratada uma instituição especializada para ministrar um exame deste porte, mas não fomos ouvidos”, declarou a presidenta da Apeoesp, Maria Izabel Azevedo Noronha (Bebel).A dirigente lembrou que os sucessivos governos do PSDB, no poder há 14 anos no Estado, tem sido “um verdadeiro desastre para a educação pública, isso é fato”.“Não somos contra a avaliação. O que não podemos concordar é com este tipo de avaliação excludente da Secretaria. Nossa luta é pela garantia de concurso público de provas e títulos como única forma de ingresso no serviço público e que seja considerado o tempo de serviço daqueles que já têm experiência na rede pública de ensino”, acrescentou Bebel.


Serra não admite erro porque está "alucinado com 2010"


A Apeoesp avalia que Serra não admite o erro, evidenciado na desorganização da Secretaria da Educação, como atestaram milhares de professores. Evidentemente, foi isso o que fez com que o início das aulas fosse adiado do dia 11 para o próximo dia 16 de fevereiro. “Este é o padrão Serra. Ele está alucinado com 2010”, condenou a presidente da Apeoesp.Mas o governador continua alegando que o resultado do exame está correto: “não houve erro”. “A Apeoesp é contra a avaliação e faz o possível para atrapalhar o ensino em São Paulo”, esbravejou Serra, projetando sobre a entidade seu desprezo pela educação.Bebel rebateu, lembrando que a Apeoesp é séria e tem compromisso com a educação. “Não esperava comportamento diferente de um governador que não admite que a Secretaria da Educação errou e que não teve competência para aplicar um exame aos professores. É por esse erro que o início das aulas foi adiado”, reafirmou Bebel, ressaltando que o tucano terá de provar as acusações que vêm fazendo contra os professores: “Ele vai ter que comprovar, isso é leviandade e eu não admito”.

Só a garantia de cotas de exibição pode salvar o audiovisual brasileiro.

A nova alteração na Lei do Audiovisual, alardeada pelo Minc e pela Ancine como início do reino da fartura para o cinema nacional, é mais uma panacéia para encher as burras dos monopólios televisivos. A verdade pura e simples é que a solução para o audiovisual brasileiro é a garantia de seu espaço impondo cotas aos exibidores, sejam eles cinemas ou TVs

VALÉRIO BEMFICA

Nem bem terminamos de analisar as últimas estultices anunciadas pelo Ministério da Cultura e pela Agência Nacional de Cinema (Edição 2736, de 23/1/09) e já apareceu outra para ser comentada. Na arte de inventar subterfúgios para beneficiar sempre os mesmos, não resolver o problema do audiovisual nacional, mas ganhar algum espaço na mídia, esse pessoal sempre se supera. Pedimos paciência ao leitor, pois nem sempre é fácil demonstrar o quão atoleimado – e subserviente - é o discurso que parece proclamar o início do reino da fartura para o cinema nacional.
Nos tempos do neoliberalismo galopante, quando a Lei do Audiovisual foi criada, foi incluído um artigo (o 3º) que previa incentivo fiscal às distribuidoras estrangeiras. Elas poderiam abater até 70% do imposto devido pela remessa de lucros se investissem em produções independentes nacionais. Não resultou em grande coisa, pois as majors não estavam – e continuam não estando – interessadas em bancar o desenvolvimento do cinema nacional. Alguns anos atrás, no final da era tucana, os grandes estrategistas do aparato cultural resolveram alterar o referido artigo (Lei 10.454, de 13/05/02). Foi incluída, então, a possibilidade de utilizar o dinheiro que deveria ser pago como imposto em “co-produções”. Aí a coisa poderia mudar de figura: as distribuidoras passariam a dar dinheiro para elas mesmas, e não a patrocinar terceiros. Seriam sócios, não patrocinadores. Seria exigir demais que os então mandatários da cultura respondessem a uma singela questão: uma co-produção com uma major não deixa de ser independente?

O fato é que, apesar da alteração, o artigo permaneceu pouco utilizado até 2006, quando o tucano Weffort já havia sido substituído pelo pavão Gil. Após sucessivas quedas na bilheteria do cinema brasileiro a Ancine resolveu injetar mais dinheiro na produção e trombeteou a Instrução Normativa 49, que facilitava o uso do artigo 3º. Aconteceu o óbvio: o espaço de cerca de 10% para os filmes nacionais reservado pela cota de tela foi invadido por (co)produções das distribuidoras estrangeiras. Ao invés de aumentar o espaço dos nossos cineastas no nosso mercado, criou um espaço para as majors na cota de tela.
Mas a bilheteria continua caindo, o cinema brasileiro continua alijado das principais telas, a crise continua aumentando. E o jogo dos burocratas continua o mesmo: ao invés de enfrentar os problemas, fazem um novo anúncio bombástico. Então, além do já comentado Fundo Setorial do Audiovisual, para parecer que estão fazendo algo para ajudar a classe, os preclaros dirigentes da Ancine anunciaram mais uma alteração no artigo 3º. No jargão burocrato-cinematográfico, o artigo 3ºA, que nada mais é do que a extensão do privilégio dado às majors também às TV’s abertas e por assinatura. Ou seja, a partir de agora essas empresas poderão usar 70% do que deveriam pagar de imposto sobre o que remetem ao exterior para financiar (co)produções nacionais. Segundo a Ancine tal generosidade abrirá as portas da TV ao audiovisual independente e injetará milhões de reais nas mãos dos pequenos produtores. Parece bacana? Se fosse verdade, seria. Mas não é... Assim como aliviar os impostos das múltis da distribuição só serviu para aumentar o lucro delas e colocar a produção independente brasileira ainda mais no gueto, a atual medida não vai criar mais mercado e vai encher mais ainda as burras dos monopólios televisivos.
A própria Ancine admite que o audiovisual brasileiro (excluídos os telejornais, novelas, jogos, programas de auditório, reality shows e outras baboseiras) ocupa apenas 6% da grade nas TV’s abertas e 0,5% nas pagas. Isso não se deve à baixa qualidade ou ao alto custo da produção independente. Deve-se, isso sim, a opções políticas, ideológicas e estéticas da indústria cultural. Quanto mais alienante, dominadora, embotadora forem os programas, mais eles gostam. Quanto menos a programação desenvolver a identidade e a cultura do povo, melhor. Querem, diante de suas telas, consumidores submissos, manipuláveis, não cidadãos pensantes. E é por isso que dificilmente algo de saudável, verdadeiro ou culturalmente significativo aparece lá. Como a indústria cultural americana especializou-se em produzir tal tipo de programação, é de lá que importam a maior parte dos programas.
Na realidade já seria mais vantajoso para a TV comprar a programação independente. Não vamos nem falar da maior capacidade que os artistas locais têm para refletir sobre a realidade brasileira e para falar à alma de nosso povo, uma vez que isso pouco importa à Globo ou à Net. Fiquemos apenas no aspecto econômico. Em primeiro lugar, as produções nacionais são mais baratas: basta comparar os orçamentos de Hollywood com os dos filmes nacionais. O produto estadunidense só é mais barato quando pratica dumping. Além disso, quando as redes compram programações internacionais, elas sempre vêm em “pacotes”. Ou seja, para comprar o grande sucesso de bilheteria, precisa comprar junto um balaio de porcarias, o que eleva significativamente os custos. E, finalmente, quando importa programação, a emissora precisa pagar 15% de imposto em nome do vendedor. Quando compra programação brasileira, não precisa. Até o Pedro Bó, fosse ele guindado à presidência da Ancine, se daria conta de que não é por motivos econômicos que a produção independente nacional não entra na TV. E até ele, com sua peculiar inteligência, se daria conta de que a Ancine está voltando a afirmar que, para as emissoras de TV veicularem o produto nacional, precisam ser remuneradas para isso.
A estrutura televisiva no Brasil, que sempre jogou pouco no campo nacional, mais do que nunca é hoje um elo na cadeia da indústria cultural norte-americana. A principal rede de TV aberta, a Globo, que já nasceu com obscuras ligações internacionais, hoje é sócia assumida de um monopólio estrangeiro. As TV’s por assinatura, na prática, são todas estrangeiras, com testas-de-ferro nacionais. Ou seja, seus interesses são guiados de fora. Não compram a produção nacional não porque seja mais cara ou de menor qualidade (ou por ser pouca, como alegam algumas antas), mas porque não querem. Produzem aqui, elas mesmas, o que querem e importam a maior parte do que exibem.
Mas, não podemos negar, a medida da Ancine terá alguns efeitos práticos. Para sermos mais exatos dois, ambos nocivos. O primeiro e mais evidente é o alívio fiscal ao monopólio televisivo. De cada R$ 100,00 que recolhiam de imposto de importação, precisarão recolher apenas R$ 30,00. Os outros R$ 70,00 serão utilizados para preencher a sua grade de programação, com o dinheiro do contribuinte. Isso é particularmente escandaloso se lembrarmos que a importação de produtos da própria matriz é uma das formas mais tradicionais de evasão de divisas, de disfarçar a remessa de lucros. A HBO “Brasil” compra produtos superfaturados da HBO matriz, e ainda tem incentivo fiscal para isso! O segundo efeito, menos claro, será a terceirização da programação (ou seja, precarização do trabalho dos profissionais do audiovisual). A partir de agora, a Globo poderá terceirizar a sua produção de mini-séries, reduzindo custos, cortando postos de trabalho e, melhor do que tudo, com o nosso dinheiro! Vai aumentar seu lucro, sem precisar aumentar em um segundo o tempo de programação realmente independente. Basta terceirizar seus núcleos de produção. Aliás, já tem feito isso através da O2, de Fernando Meirelles, assim como a Record tem feito com a produtora Casablanca. Computando apenas os canais pagos, e sem contar os de programação esportiva, a generosidade da Ancine injetará no bolso dos setores monopolistas cerca de R$ 50 milhões. E a real produção independente brasileira continuará sem tela...
A verdade pura e simples é que a solução para o audiovisual brasileiro não está em mirabolantes artifícios legais e nem na aposta nos mecanismos de “mercado”, até porque, sob a égide do monopólio, não existe mercado algum. A única forma possível de garantir espaço para o audiovisual brasileiro – seja na telona ou na telinha – é impondo cotas aos exibidores, sejam eles cinemas ou TV’s. Limita-se a importação, limita-se a produção própria e cria-se um espaço que deve ser preenchido obrigatoriamente com programação nacional independente, sem nenhum tipo de incentivo fiscal aos exibidores. Parecemos radicais? Pelo contrário. São medidas até conservadoras, adotadas em países como os Estados Unidos e a França. É claro que os exibidores irão chiar: censura, intervencionismo, dirigismo! Afinal de contas eles se consideram donos do que, na verdade, é uma concessão pública. E se acham absolutamente descompromissados com conceitos como cultura, soberania e identidade nacional. E não poderia ser diferente, pois são empresas monopolistas. Que gritem. A função do Estado é justamente impor medidas que coloquem freios à ação delas. E não inventar novas fórmulas para drenar recursos do Estado para elas.
Isso tudo é evidente, menos para os dirigentes da Ancine e do Minc. Qual seria o motivo? Levantaremos algumas hipóteses. A primeira é que eles não se deram conta disso, apesar de já ocuparem seus postos há seis anos. Nesse caso, tendo tomado tantas e tão bombásticas medidas, tendo injetado tanto dinheiro público na mão de conglomerados estrangeiros e, ainda assim, agravado a situação do audiovisual brasileiro, deviam ter a humildade de dar o fora. Que tenham algumas aulas de esperteza com o Pedro Bó e depois tentem voltar. A segunda é que eles sabem direitinho o que fazer, mas não têm coragem. Nesse caso, deveriam tomar o rumo de casa e nunca mais aparecer. E a terceira é que eles sabem o que fazer, mas, na esperança de no futuro pegar alguma boquinha em uma das empresas integrantes do cartel por eles beneficiado, dão uma de desentendidos. Mal sabem eles que o grande capital costuma ser bastante ingrato com seus pequenos servos.
Espécie de síntese das duas primeiras, a última parece ser a hipótese mais provável: uma mistura de pouca perspicácia, muito servilismo e um tanto de oportunismo. E, nesse caso, é difícil que eles saiam por conta própria: cabe ao setor, se quiser sobreviver, indicar-lhes a porta dos fundos.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

"A lição de Stalin já mudou o mundo para melhor."


Poeta e crítico Paulo Hecker Filho deixou Sartre comendo poeira:
A obra poética de Paulo Hecker Filho já foi abordada aqui pelo também poeta gaúcho Sidnei Schneider. No artigo de hoje, Sidnei nos apresenta o “pensamento independente e livre das pressões midiáticas” de Hecker sobre o líder da construção do socialismo na URSS. Segundo ele, “sem Stalin, permaneceríamos na barbárie social do século XIX”

SIDNEI SCHNEIDER

O poeta, crítico e dramaturgo gaúcho Paulo Hecker Filho (1926-2005), autor de dezenas de livros e colaborador dos jornais Estado de São Paulo, Zero Hora, Correio do Povo, nasceu para o mundo intelectual no pós-guerra, e como era comum à época, interessou-se pelo existencialismo, particularmente o de Jean Paul Sartre. Percebeu, porém, com o decorrer do tempo, que faltava algo de compromisso com o ser social nessa corrente, e festejou a posterior aproximação do filósofo francês das lutas populares, da independência das nações e do socialismo soviético. Como é sabido, Sartre deu para trás, pressionado pela guerra ideológica promovida pelos asseclas do imperialismo, e renegou o que vinha defendendo, inclusive a liderança de José Stalin por ele festejada. Hecker, dono de um pensamento independente e livre das pressões midiáticas e editoriais, após muito estudo e determinação, continuou a defesa de Stalin e do socialismo, especialmente durante e depois da debacle da URSS, quando o imperialismo voraz e sua mídia se apoiavam em Francis Fukuiama para sustentar o fim da história e de qualquer esperança de um mundo mais justo.
Hecker não se impressionava fácil. Se, diante da ameaça atômica norte-americana, Kruschov não sustentou a luta e, para corroer a sociedade soviética por dentro com uma ideologia que não lhe correspondia, julgou por bem fazer coro com a direita mais sovina e difamar o seu antecessor, iniciando a destruição do socialismo – Hecker, por sua vez, via a figura decisiva de Stalin para o progresso humano. Quando os seguidores e sucessores de Kruschov, após 40 anos de ignomínias e crescentes aceitações da ideologia, da política e da economia do inimigo, conseguiram por fim abalar a fortaleza social erigida sob a liderança de Lenin e Stalin - o nosso poeta não titubeou, percebendo que a sociedade humana atual continuava impregnada das suas conquistas e iria ainda mais longe. Para um pensador não apoiado na discussão e no estudo constante de um coletivo organizado e partidário, convenhamos, a convicção que alcançou é surpreendente, parece quase impossível. É claro que sempre houve uma luta ideológica em torno disso, e o fato dela ter sido sustentada aqui no Brasil por certo iluminou as ideias que balançavam no trapézio do cérebro desse guerreiro. Na vida e na história, os seres humanos sempre a nos surpreender com suas capacidades.
Para começar, reproduzamos trechos do texto Graças a Stalin, de 12.11.1990 (portanto, com a URSS sob o governo fedífrago de Gorbachov), que Hecker distribuía, como se verifica em uma carta ao amigo Darcy Ribeiro, entre a intelectualidade:
“Num dos seus agradáveis papos públicos, (o escritor) Moacyr Scliar teve humor: ‘Está aí por que os russos nunca dominarão o mundo: se para fazer um simples chá, usam algo tão complicado como um samovar!...’
“Rimos, mas o fato é que já dominaram. E felizmente. Lenin e seu alter ego Stalin transformaram a nossa atitude básica, a relativa aos outros, que são o que mais importa a cada um. E não só diretamente no mundo socialista, em termos de população já regulando com a do capitalista, como nesse. As conquistas igualitárias que deram novo rosto ao século – direitos do trabalho, anticolonialismo, antirracismo, enfim quase tudo o que há de concreto sob a palavra democracia, que se tornou um dogma da época só recusado por extravagantes, vem da revolução russa, vem de Stalin, já que ele, mais que ninguém, foi quem preservou e desenvolveu a Rússia, tornando-a a potência que venceu quase sozinha a Alemanha nazista e freou a expansão do império americano, com sua inumana produção pela produção. (Hoje nem isso, acrescentaríamos).
“Graças a Stalin se generalizou a consciência de que o povo existe e deve ter o que comer e onde morar, todos são gente. Sem ele, permaneceríamos na barbárie social do século XIX.
“Se nela ainda em parte estamos, ao menos podemos vê-la, o que é o começo de afastá-la, já sem as ideologias cataratas (...). A política agora leva o povo em conta; mesmo insinceramente, tem de levar ou não anda. Oferece trabalho e desprendimento pela maioria e não raro cumpre. Os aproveitadores e seus súditos, sempre mais realistas que o rei, tentam desmoralizar as boas intenções, ganhando tempo para ir tirando suas vantagens; consistentes ou irrisórias importa menos, pois, ainda que com ironia, arcam com o que é hoje o grande, senão o único pecado, não ser solidário.
“Recorde-se que para tomar e manter o poder, Lenin organizou o partido como uma milícia. Preocupava-se menos com novas adesões do que conservar a unidade disciplinada, pronta a agir como um homem, em suma, um Lenin multiplicado. A mesma tática preside a longa administração de Stalin e, dadas as pressões externas e internas, não se concebe outra que pudesse ter sido tão vitoriosa. A nação foi vista como uma família e assim tratada. Não satisfeito em administrar com sensatez e quase ubiquidade, dirigir, aliás, brilhantemente, a guerra e os acordos posteriores, Stalin passou a vida a escrever, a lecionar com clara didática a nova ordem aos russos e ao mundo. Aos poucos, construiu uma grande nação, na cidade e no campo, acabou com o subemprego, a submoradia, o ócio que levava ao vício e à violência, o frio, a fome. (...)
“Despontam frívolos coveiros para o comunismo e ele felizmente já está vivendo dentro da maioria. Vejam o caso atual brasileiro. Nada menos comunista em palavra e ideia mas, por não esquecer a nação, tomam-se medidas que os eternos parasitas apodam de comunistas. Que sejam. Praticamente todos somos um pouco comunistas. Aprendemos com Stalin.
“O ideal seria que a organização democrática se fizesse sem fraturas, pela consciência de sua necessidade; Marx sonhou com o fim do Estado. Possível ou não, até lá devagar com o andor. A lição de Stalin, de que o bem geral vem antes dos bens particulares, não terminou de ter vez e haverá recalcitrantes, nostálgicos do passado e da barbárie. Mas a verdade é que já mudou o mundo, para melhor.”
Num pequeno trecho desse texto, Hecker avalia que o debate estaria “ampliado até a Perestroika”, sem ainda desvendar o seu conteúdo. Logo a seguir, porém, em 1991, quando Yeltsin assume e a mídia dócil pretende comemorar o fim do socialismo, ele escreve Olhe a armadilha, se ainda não caiu nela: “Quando as metas se congelam, é que diminuiu nosso diálogo com a vida. O sadio é mudarem por acréscimo, e tanto para nós individualmente, como para a família, o grupo, a cidade, o mundo. Apesar da insistência da mídia, o comunismo não acabou. Nem mesmo a democracia (...). Pode-se dizer que a Revolução Francesa não terminou, voltará a ocorrer noutras circunstâncias, nem a russa, a cubana, a chinesa, e que sempre ouviremos ecos do Grito do Ipiranga. Nem se encerra a obra e a sucessão dos grandes libertadores”. E aqui Hecker cita Descartes, Hume, Voltaire, Kant, Hegel, Marx, Freud, Lenin, Stalin, Mao, Fidel, entre outros. E denuncia o imperialismo: “Quatro quintos do mundo a se matarem para que um centésimo se encha de tanto dinheiro que não pode perder um minuto sem tratar de aumentá-lo, sob pena de perder dinheiro, o maior pecado na ética capitalista. (...) O socialismo, capitaneado por Stalin, transformou-a (a antiga Rússia) em vinte anos na segunda potência do mundo. (...) Olhe um pobre, olhe dois, olhe mil, e me diga se existe algo mais urgente do que oferecer uma possibilidade de vida aos que não têm nada. E isso só o socialismo mostrou que pode. (...) Agora a mídia a cloroformiza (a consciência política) com descaro. Vamos de pós-moderno, querem uns, o que acaba se reduzindo a pós-humano (...). Seguindo a ladainha diária da mídia, não é só o socialismo, parece até que o mundo acabou, a cultura ocidental, e não nos resta mais a fazer do que comprar o que ela anuncia e calar a boca”. Diz que não se acreditaria que a agiotagem internacional “tentasse de novo escravizar o mundo” e que “se a oposição vacila, escravizam mesmo: têm força e, diante dela, só outra maior”.
A 07.09.1992, escreve O simpósio (banquete em grego), sobre um debate acontecido em Porto Alegre, que contou com José Saramago, o citado Francis Fukuiama, e vários outros, entre os quais o psicanalista francês Cornelius Castoriadis, com o qual Hecker concorda só para melhor contestá-lo: “Que Lenin é que tem a idéia do partido pensando como uma cabeça, a de Lenin naturalmente, e é ele que institui a política realista de que Stalin é tão acusado, de modo que a Revolução Russa não tinha outro caminho a seguir senão o que seguiu. De acordo. Só que ele odeia Lenin e Stalin e eu os admiro, sem conceber que se possa separá-los. A Revolução de que são os principais autores, no mínimo despertou e manteve desperta a consciência social do mundo inteiro e é ainda no rastro de suas promessas que o melhor do século existe no plano coletivo.” A seguir, defende a civilização contra certo insulamento nuclear defendido pelo outro. Esse lúcido e corajoso bate-pronto de Paulo Hecker, ao inicialmente citar Castoriadis, talvez exija alguns esclarecimentos ao leitor. A relação do líder com o coletivo partidário, e por extensão com o povo, é uma relação que se realimenta mutuamente, ampliando-se em força e sabedoria. Assim, o partido bolchevique, com sua unidade na ação destacada por Hecker, pronto a agir como um só homem, pensa mais e melhor do que se apenas contasse com uma cabeça, ainda que essa fosse “a de Lenin, naturalmente”, e para tal realiza os conhecidos debates e reuniões, nas quais o líder e cada um exercem suas prerrogativas. É óbvio que a administração de Stalin, quando a atuação e o discernimento do líder foram exigidos num grau nunca visto, também se apoiou dessa forma no partido e no povo, e só assim pôde vencer os obstáculos e liquidar o horror nazi-fascista que ameaçava a humanidade. O julgamento e a condenação, antes da Segunda Guerra, dos traidores, sabotadores e assassinos mancomunados com o nazismo garantiu essa vitória. Não surpreende que os escribas do império e a mídia vende-pátria seguidamente queiram ver neles o verdadeiro partido e um abafamento da discussão partidária. Revelam, apenas, ter algo em comum com tais traficâncias.
Quanto a Fukuiama, que considera, nas palavras de Hecker, que “já se chegou ao melhor modo de viver, que a história terminou na sociedade norte-americana”, embora não desconheça “os setores de miséria dessa sociedade, inclusive os aponta mas considerando-os superáveis ou perdoáveis” - o poeta é claro: “Eu diria que são assustadores, especialmente no Terceiro Mundo, na dependência da economia americana.” E denuncia, ainda, que “o dinheiro em excesso, e é o que o dinheiro quer, sempre mais, desumaniza os que o possuem e suprime os que não o possuem.” Comenta, também, um livro do alemão Robert Kurtz que “analisa a derrocada dos regimes do Leste e da URSS como mais uma crise do capital que do socialismo”.
Vejamos uma resenha de 28.12.1994, intitulada Um livro, um homem, para as memórias do romancista Ivan Pedro de Martins, integrante da Aliança Nacional Libertadora dos anos 30, de nome A flecha e o alvo. Hecker o trata com o carinho da amizade, sem, no entanto, concordar com o que lhe parece mero antistalinismo aurido nos anos de moradia do autor no adverso contexto de Londres. Defende a necessidade das ações firmes de Stalin contra a quinta-coluna, na defesa da sua pátria e da humanidade, estando “o país sob constante ameaça e por fim sendo invadido”: “Mas com Stalin dirigindo a paz e a guerra, (a URSS) soube vencer quando ninguém conseguia. De qualquer forma, ele morreu há mais de quarenta anos, em 53, e já em 56 houve a denúncia contra os seus arrochos, saiu do primeiro plano. Se a URSS chegou ao ponto de desastre, é evidente que a culpa é dos que vieram depois. Basta ler a biografia de um antistalinista como Deutscher, para ver que não se tratava de caprichos tirânicos, mas a ação de um estadista que não brincava em serviço, não podia brincar, não o deixavam”.
Numa entrevista a Luciano Dutra, a 30.07.1992, intitulada e subintitulada Para ser poeta ou prosador, você tem de gastar a vida nisso, e sem garantias, a primeira pergunta é: “O senhor é mesmo stalinista ou isso também faz parte da sua poética?” Hecker responde: “Tudo em mim faz parte da minha poética ou é desvio. Mas não sou ista nada”, revelando que tem “compromisso com a verdade. O que é a verdade? Aquilo de que se tem na hora a certeza possível.
“Admiro Stalin. É difícil, quando se busca conhecer, não admirar obra tão portentosa, guiada pelo bem dos homens. Se teve aspectos duros, podia não ter tido nas circunstâncias de guerra quase permanente em que se processou? De início, como revolucionário clandestino e perseguido; logo, saindo da primeira Grande Guerra, como revolucionário vitorioso; depois, como chefe, a enfrentar a guerra civil, com adversários socorridos pelas grandes nações, e a arrostar com a revolta sobretudo pela coletivização dos campos; a seguir, o clima de pré-guerra da Segunda Mundial, e essa, em que é o grande vitorioso como organizador da sociedade civil e da resistência bélica; após a guerra, como diplomata de todas as conquistas, enfrentando depois os riscos da guerra fria. E todo o tempo lendo e escrevendo com a modéstia deliberada de explicar as coisas para todos, que inclusive esperavam e acatavam a sua palavra. Já é uma vida.
“Morreu há quarenta anos. Não admira que continue sendo um ponto de referência, mas (...) naturalmente não é o responsável pelo que se passa na URSS, agora CEI. Essa confusão é há muito alimentada pelos inimigos da Revolução de Outubro, que têm justamente o maior poder da terra, o capital. No entanto a revolução continua a grande promessa do século de redenção terrena e foram Lenin e Stalin que a fizeram antes de quaisquer outros.”
Há mais, e alguma coisa já publicamos quando da morte do autor, inclusive aqui. Ao leitor que não conhece Paulo Hecker Filho, pode lhe passar que seja um historiador ou quadro partidário, mas Hecker, na sua singularidade, passou a maior parte da vida escrevendo poesias e fazendo crítica literária, e como tal é reconhecido. De minha parte, como poeta, eu talvez preferisse falar da sua poesia - o que, aliás, já fiz outras vezes. Provavelmente, ele também preferisse o assunto. Mas há coisas na face da terra e na história humana que não podem ser caladas. Os milhares de arquivos, anotações e cartas do poeta estão no seu acervo literário, sob a responsabilidade da PUC-RS. Informações e textos aqui reproduzidos, no livro de sua autoria Saudades de Voltaire, Porto Alegre, Editora Sulina, 1998, agora distribuído, os exemplares restantes, pela Editora Alcance. Os 40 mil livros que possuía, segundo sua vontade, foram herdados por um amigo escritor. A sabedoria investigativa e a poesia da sua obra podem orgulhar, e muito, os seus familiares e amigos.
Parece até, como se pode deduzir, que na hora de sua maior lucidez, Sartre deu sua contribuiçãozinha, afinal. É sabido, também, que Stalin escreveu e publicou poemas quando jovem, e continuou a ler poesia durante toda a vida, tornando-se inclusive especialista em certos autores. Paulo Hecker, sem dúvida, escrevia de poeta para poeta.
Publicado no Jornal Hora do Povo - Edição 2741 - de 11 e 12 de Fevereiro

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Das dificuldades de Obama.


Dois artigos publicados na Hora do Povo - edições 2.739 e 2.740.


1.

Em seu discurso de posse, o presidente Obama afirmou: “Estamos prontos para liderar mais uma vez”.Sabemos que não é fácil ser presidente de um país em que faz parte da cultura abater a tiros presidentes e personalidades influentes que não se ajustam bem ao figurino concebido por suas classes dominantes.Mas não podemos deixar de registrar que o pensamento exposto, longe de sintonizar as melhores tradições americanas, evoca as piores.Em 1909, quando assumiu o governo, o presidente Howard Taft declarou: “Todo o hemisfério ocidental nos pertencerá, de fato, devido à superioridade de nossa raça, pois moralmente já nos pertence”.Mas não foi ele quem inventou a receita. Naquela altura do campeonato, os EUA haviam efetuado 31 intervenções militares no hemisfério: Porto Rico, Argentina, Peru, México, Nicarágua, Uruguai, Panamá, Colômbia, Cuba, República Dominicana e Honduras já haviam provado o gosto amargo desse desejo de liderança “moral”.Na verdade, a idéia de que os EUA têm por missão liderar é muito antiga. É inclusive anterior à formação do capital monopolista que, como a história já demonstrou à exaustão, empurra seus respectivos Estados nacionais para além das fronteiras a fim de que ele possa servir de suporte à conquista de novos mercados, que absorvam o capital excedente, e ao controle das fontes de matérias primas.O presidente James Buchanan (1857-1861) afirmava: “A expansão dos EUA sobre o continente americano, desde o Ártico até a América do Sul, é o destino de nossa raça. E nada pode detê-lo”. E ele, por sua vez, estava ancorado a uma sólida tradição de expansionismo que já havia custado ao México boa parte de seu território.O New Orleans Creole Courier, em 1855, expressava a idéia nos seguintes termos: “A pura raça anglo-americana está destinada a estender-se por todo o mundo com a força de um tufão. A raça hispano-mourisca será batida”.Em julho 1845, o jornalista John O‘Sullivan cunhou o termo “Destino Manifesto”, num editorial do United States Magazine and Democratic Review, como expressão sintética do dogma corrente de que, sendo o povo dos EUA eleito por Deus para comandar o mundo, o expansionismo seria apenas decorrência do cumprimento da vontade Divina.Ele achava natural afirmar que “o Texas foi absorvido pela União no processo de cumprimento da lei geral que está levando nossa população em direção ao Oeste. Ele foi arrancado do México de acordo com o curso natural dos eventos. O braço avançado do irresistível exército da emigração anglo-saxônica já começou a se estender sobre a Califórnia”.Artistas e intelectuais não estiveram imunes à crença.Em 1849, o escritor Herman Meville (Moby Dick) afirmava: “Nós americanos somos um povo peculiar, escolhido, o Israel de nosso tempo; carregamos a arca das liberdades do mundo. O resto das nações precisa, brevemente, estar na nossa retaguarda”.Antes disso, o poeta Walt Withman havia expressado o mesmo ideal sem maior preocupação com a sutileza: “O que tem a ver esse México miserável e ineficiente – com suas superstições, com sua paródia de liberdade, sua tirania real de poucos sobre muitos – que tem ele a ver com a grande missão de povoar o novo mundo com uma raça nobre? Que seja nosso lograr essa missão”.Caminhando um pouco mais em direção à origem da crença, vamos encontrar em Emerson – celebrado como grande pensador e filósofo naquele país - a seguinte reflexão: “Certamente, a forte raça britânica, que já conquistou grande parte desse território, deve também apoderar-se daquele pedaço [Texas], e do México e do Oregon, e, com o passar das eras, os métodos segundo os quais isso foi feito será de pouca importância. A América é o último esforço da divina providência em favor da raça humana”.Portanto, antes mesmo que o capital monopolista se formasse nos EUA e impulsionasse a expansão imperialista, a burguesia americana havia associado o seu destino ao expansionismo. Ampliar as bases para o desenvolvimento capitalista, que interessava ao Norte, sem desestruturar as relações escravistas e os vínculos do Sul com a economia inglesa, seria resolvido através da conquista de novos territórios, associada à imigração maciça de colonos europeus.Tal era o projeto que levava, em 1828, o representante dos EUA na Colômbia, Beaufort Watts, a fazer considerações pouco diplomáticas sobre o povo do país: “O colombiano típico é um animal obediente que se torna ainda mais submisso quando castigado”. Ou Quincy Adams a afirmar, em 1823, dois anos antes de assumir a presidência da República: “Estas ilhas [Cuba e Porto Rico] são apêndices naturais do continente norte-americano, e uma delas - quase visível a olho nu de nossas costas - tornou-se por muitas considerações um objeto de importância transcendental para os interesses políticos e comerciais da nossa União. É difícil resistir à convicção de que a anexação de Cuba por nossa república Federal será indispensável à continuidade e à permanência de nossa própria União”. Ou, ainda, Alexander Scott, representante dos EUA na Venezuela, a dizer em carta a James Monroe (“A América para os americanos” – do Norte), em 1812, um ano após a revolução contra o domínio espanhol, liderada por Miranda: “O povo do país é tímido, indolente, ignorante, supersticioso, incapaz de esforço e desprovido de iniciativa”.O segundo presidente dos EUA, John Adams, que foi vice de George Washington, dizia em carta a Thomas Jefferson: “Um governo livre e a religião católica romana não poderão jamais coexistir, em qualquer país. Qualquer projeto de conciliar essas duas coisas na velha ou na nova Espanha é utópico, platônico e quimérico. E é do meu entendimento que na nova Espanha as coisas são piores, se isso é possível”.Não é à-toa que seu filho, Quincy Adams, tenha escrito em seu diário, aos 12 anos de idade: “Os espanhóis são vadios, sujos e malvados, em suma, seria justo compará-los a uma vara de porcos”.Obama desconhece isso? É claro que não.A maior tragédia que se abateu sobre os EUA foi o encontro dessa ideologia expansionista e racista com os interesses dos monopólios. Produziu um imperialismo cretino, encardido e difícil de erradicar.Mas, numa avaliação otimista, talvez possamos dizer que, com essa singela declaração, Obama tenha simulado um recuo para surpreender o adversário pela retaguarda.Às vezes dá certo. Mas quase sempre, não. (S.R.)


2.

O falecido senador norte-americano William Fullbright, durante mais de 30 anos um dos melhores parlamentares dos EUA, disse uma vez que “criamos uma sociedade cuja principal ocupação é a violência. A maior ameaça para o nosso país não é uma qualquer força exterior, mas o nosso próprio militarismo. Temos a amarga impressão de que nós, os americanos, estamos habituados à guerra. Já há muitos anos que, ou bem estamos em guerra ou então prestes a desencadear uma, não importa em que região do mundo. A guerra e o militarismo tornaram-se uma parte inseparável do nosso quotidiano, e a violência o produto principal da nossa economia” (V. seu livro “The Arrogance of Power”).Realmente, a história dos EUA são uma série tão grande de atropelos e agressões a outros países, promovidos por uma casta dominante que já era imperialista antes do surgimento dos monopólios capitalistas (v. nossa edição anterior), que às vezes demanda um esforço que não é pequeno perceber em que aspectos do passado o povo norte-americano pode se basear para construir uma nação irmã - e não algoz - das outras nações e justa para com seus próprios cidadãos.No entanto, esses aspectos, de que o povo norte-americano pode se orgulhar, existem. Por exemplo, em relação a seus presidentes, é verdade que os norte-americanos tiveram na Casa Branca uma quantidade incomum de fariseus (Quincy Adams, Herbert Hoover), trogloditas (James Polk, Theodore Roosevelt) e/ou meras mediocridades (citar um exemplo aqui seria cometer alguma injustiça). Também existiram alguns presidentes que quase poderiam ter sido extraordinários (Woodrow Wilson, John Kennedy), não fossem limitações pessoais ou porque não os deixaram ser.Mas os norte-americanos, apesar disso, tiveram dois grandes presidentes - Abraham Lincoln e Franklin Delano Roosevelt.A esse propósito, é muito positivo que o atual presidente, Barack Hussein Obama, tenha tomado esses dois, justamente os maiores de seus antecessores, como modelo. Mas, para isso, é necessário ser coerente com o que de melhor existe na história dos EUA. Não se podem misturar alhos democráticos com bugalhos imperialistas - sob pena de renunciar à herança dos primeiros.Por exemplo, em seu discurso de posse, Barack homenageou os que “por nós, combateram e morreram, em lugares como Concord e Gettysburg, Normandia e Khe Sanh”.Tudo bem em relação a Concord, Gettysburg e a Normandia. O problema é: o que está Khe Sanh fazendo nessa lista?Concord, no Estado de Massachusetts, foi, em 19 de abril de 1775, o lugar da primeira batalha da guerra de independência contra o domínio inglês. Nessa cidade foi organizada a guerrilha dos “minutemen”, que, apesar da desigualdade de forças, fez o exército britânico recuar para Boston, logo em seguida sitiada, na primeira fase da Revolução Americana.Em Gettysburg, na Pennsylvania, foi travada, durante os três primeiros dias de julho de 1863, a batalha mais gloriosa da história dos EUA e a mais sangrenta da Guerra Civil. Nela, o Exército do Potomac, depois de uma série de derrotas para os escravagistas confederados, com um histórico de generais vacilantes e/ou incompetentes, e com um comandante nomeado, por decisão pessoal de Lincoln, apenas três dias antes - George Meade, o melhor caráter entre todos os generais dessa guerra - barrou a invasão do Norte por parte do general sulista Robert Lee. A batalha de Gettysburg foi a virada na guerra civil, onde até então o exército sulista estava em ofensiva - com a capital do país, Washington, localizada dentro do estado sulista da Virgínia, em perigo. Depois de Gettysburg, nunca mais os sulistas conseguiram sair da defensiva - o que, após a nomeação de Grant, que estabeleceu seu comando geral junto às tropas de Meade, possibilitou, dois anos depois, a vitória da União e o fim do escravismo nos EUA.Gettysburg é também conhecida pelo discurso de Lincoln, o mais notável (e mais ignorado) discurso da história dos EUA, proferido na homenagem aos mortos da batalha, em novembro de 1863. Numa cerimônia para a qual não havia sido convidado - foi promovida pelo governador do Estado - e na qual teve de aguentar mais de duas horas de arenga por parte do orador oficial, um acadêmico contratado pelo governo da Pennsylvania, o presidente Lincoln, em menos de dois minutos, definiu a Guerra Civil como o ponto de partida para uma democracia verdadeira nos EUA: “Somos, antes, nós, os vivos, que devemos consagrar-nos à tarefa inacabada que aqueles que aqui lutaram fizeram avançar tanto e tão nobremente. Somos, antes, nós, os que devemos consagrar-nos aqui à grande tarefa que ainda permanece diante de nós: que, destes mortos aos quais honramos, tomemos e aumentemos nossa devoção à causa pela qual eles deram até a última medida plena de devoção; que resolvamos aqui, firmemente, que estes mortos não morreram em vão; que esta nação, sob Deus, terá um novo nascimento da liberdade; e que o governo do povo, pelo povo, para o povo, não sucumbirá nesta terra”.A Normandia, naturalmente, é a parte da França onde os norte-americanos e os ingleses desembarcaram em 1944, para abrir, finalmente, a segunda frente contra os nazistas. Até então a luta contra Hitler havia sido sustentada, à custa de milhões de mortos, pelo Exército Vermelho - apesar dos vários apelos soviéticos, em especial de Stalin, pela abertura da segunda frente na Europa. É justo observar que o dirigente ocidental mais sensível aos apelos soviéticos foi o presidente dos EUA, Franklin Delano Roosevelt, que, entre ingleses e americanos, realizou o principal empenho para o desembarque e pela abertura da segunda frente.Nada disso - nem Concord, nem Gettysburg, nem a Normandia - têm algo a ver com Khe Sanh e a agressão ao Vietnã, onde os invasores norte-americanos mataram, segundo seus próprios números (as estatísticas vietnamitas são maiores), 1 milhão e 400 mil vietnamitas, mutilaram 1 milhão e 800 mil - sem contar as vítimas de anomalias genéticas devidas ao “agente laranja”, e outras barbaridades -, apesar de, nem por isso, conseguirem submeter um povo que havia decidido ser livre.Khe Sanh foi, além disso, uma derrota humilhante dos imperialistas, onde o general Giap atraiu os invasores, que esperavam que ele usasse a mesma tática com que, em 1954, derrotara os franceses em Dien Bien Phu. Com a atenção dos norte-americanos concentrada em Khe Sanh, Giap desfechou a ofensiva em todo o sul do Vietnã - que ficou conhecida como “a ofensiva do Tet”, o ano novo lunar da tradição vietnamita, a maior e mais desastrosa derrota militar dos EUA desde a guerra da Coréia.Em Concord, Gettysburg e na Normandia os norte-americanos estavam, realmente, lutando pela liberdade, antes de tudo pela sua liberdade, ainda que também tenham contribuído para a liberdade de outros povos.No Vietnã, as tropas norte-americanas (meio milhão de soldados, uma esquadra inteira e o maior contingente de bombardeiros até então reunido) estavam perpetrando uma agressão imperialista das mais covardes que já houve na história do mundo. Eram hordas que não estavam “combatendo e morrendo” pelos norte-americanos, mas tentando escravizar um país pobre e pequeno, situado a dezenas de milhares de quilômetros dos EUA, e, como esse país não se submetia, tentando apagar seu povo da face da Terra.Naturalmente, levaram o troco - aliás, bastante modesto, comparado ao que sofreu o povo vietnamita para expulsá-los de lá: morreram 60.159 norte-americanos e 300 mil foram feridos. Mas foi uma agressão tão covarde, criminosa - e tão mal sucedida - que o próprio povo norte-americano levantou-se contra ela. Uma agressão, inclusive, ilegal até do ponto de vista dos EUA, pois a Casa Branca, para obter a aprovação parlamentar, mentiu ao Congresso, falsificando o chamado “incidente do golfo de Tonkin”. Tal como na questão da “liderança dos EUA”, abordada em nossa última edição, é impossível que Obama não saiba o que significou a guerra do Vietnã. No entanto, em seu discurso de posse, optou por fazer uma concessão ao belicismo imperialista, misturando coisas que não se podem misturar. Muitas vezes é justo fazer alguma concessão. Porém, há concessões e concessões. E, sem dúvida, não será possível recuperar os EUA fazendo concessões de princípio aos verdadeiros inimigos do país. (C.L.)

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Lula: "a Petrobrás investirá US$ 174bi até 2013 e não pode atrasar, porque precisamos de empregos.


Em discurso, na última quinta-feira, durante o painel “América Latina e o Desafio da Crise Internacional”, no Fórum Social Mundial realizado em Belém (PA), o presidente Lula responsabilizou o esvaziamento do Estado e a ganância dos especuladores pela crise econômica que assola o atualmente os países desenvolvidos e já começa a atingir o resto do mundo.
Ele disse que “a crise nasceu porque durante os anos 80 e os anos 90, ao estabelecerem a lógica do Consenso de Washington, eles venderam a lógica de que o Estado não prestava para nada, de que o Estado não podia nada e que o “deus mercado” é que iria desenvolver os países, é que iria fazer justiça social”. “Agora”, acrescentou Lula, “esse ‘deus mercado’ quebrou. Quebrou por irresponsabilidade, quebrou por falta de controle, quebrou por causa da especulação”.
O presidente criticou os “yuppies” de Londres e Nova Iorque, “jovens banqueiros que nunca tinham colocado os pés no Brasil, não sabiam nem onde ficava a América Latina” e que diziam: “O Brasil tem que fazer isso, o Brasil tem que fazer aquilo”. “O FMI e o Banco Mundial ditavam as ordens para cortar gastos e parar de crescer”. “Agora, eu espero que o FMI diga ao nosso querido Obama como ele tem que consertar os Estados Unidos; diga à Alemanha como ela tem que consertar sua crise; diga ao Sarkozy; diga ao Berlusconi; diga aos países ricos como eles vão consertar a crise que eles criaram”, apontou.
“Nas crises dos anos 80 e dos anos 90 nos obrigavam a fazer ajuste fiscal, nos obrigavam a cortar gastos, nos obrigavam a mandar trabalhadores embora, nos obrigavam a dizer que o Estado deveria permitir que a iniciativa privada governasse no lugar dos governantes”, prosseguiu. “Banqueiro que dava palpite sobre o Brasil todo santo dia, sobre o Equador, sobre a Venezuela, sobre o Paraguai, o Uruguai, a Argentina... Esses banqueiros que medem o risco do nosso país, que dizem se a gente está bem ou está mal, fecharam a boca, porque eles quebraram por pura especulação”, ressaltou.
“Agora, quando eles entraram em crise, qual foi o deus a que eles pediram socorro? Ao Estado. Foi exatamente o Estado que não prestava, que está colocando bilhões de dólares, bilhões de euros para tentar recuperar a economia. Em poucas semanas, trilhões e trilhões de dólares desapareceram do mercado”, destacou.
Lula voltou a dizer que não é hora de cortar investimentos ou projetos sociais. “Se na crise passada a gente tinha que fazer ajuste fiscal, nesta crise agora o Estado tem que assumir a responsabilidade pelos investimentos”, afirmou. “É hora de investir, é hora de construir, é hora de colocar dinheiro no setor produtivo”, frisou o presidente, anunciando a construção de 500 mil casas em 209 e 500 mil casas em 2010.
Ele lembrou também que “a Petrobrás vai investir, até 2013, US$ 174 bilhões”. “E não pode atrasar, porque nós precisamos de empregos, porque nós queremos empregos, e porque é o emprego, na pior das hipóteses, que vai melhorar a vida da sociedade brasileira”, avaliou.
Para Lula, a crise “é uma oportunidade para devolver àqueles que pensavam que sabiam mais do que nós como é que eles devem se comportar para lidar com o povo que está ficando desempregado”.
Segundo Lula, “até agora, eles só deram dinheiro para banqueiro: são 800 bilhões para salvar banco não sei onde, são 900 bilhões para salvar não sei onde, são 100 bilhões... Até agora, só cuidaram dos banqueiros”. “Aqui, neste país, posso dizer para vocês: o povo pobre não será o pagador desta crise, não vai ter a sua vida piorada por conta da irresponsabilidade dos banqueiros”, completou.
O evento também teve a presença dos presidentes Hugo Chávez (Venezuela), Evo Morales (Bolívia), Rafael Correa (Equador) e Fernando Lugo (Paraguai).