sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Haiti salva 33 crianças que americanos queriam traficar

Seguindo o exemplo do seu governo, que desembarcou no Haiti milhares de marines, 10 estadunidenses acharam que podiam tomar dezenas de crianças haitianas para vendê-las

Assim como o governo dos EUA considerou que não precisava pedir licença ao governo do Haiti, à ONU, ou a quem quer que fosse para entrar com 20 mil marines e paraquedistas, apoiados pelo porta-aviões nuclear Carl Vinson, no país caribenho atingido por um terremoto, dez débeis mentais de uma obscura “igreja evangélica” de Idaho acharam que, pelo mesmo critério “humanitário”, podiam chegar lá, catar três dezenas de crianças e conduzi-las aos EUA, onde seriam negociadas a U$ 10 mil a cabeça.

Mas mesmo com o país em destroços, o Haiti continua sendo uma nação soberana, e para surpresa deles, foram detidos pela polícia haitiana no principal ponto de passagem para a vizinha República Dominicana, Malpasse, na noite de sexta-feira, dia 29 de janeiro. Receberam voz de prisão por seqüestro e tráfico de menores, e as 33 crianças foram salvas.

Naturalmente, os dez consideraram uma tremenda arbitrariedade não poderem entrar na terra dos outros e sair levando o que quisessem, movidos por fins tão piedosos. Mas não se dizia que o Haiti estava arrasado, uma terra de ninguém, casa da mãe Joana? É, arrasado, mas não terra de ninguém. Terra dos haitianos. Aliás, a “argumentação” do advogado dos americanos, Jorge Puello, em entrevista por telefone da República Domini- cana, foi que “não há governo no Haiti”.

No afã de praticar o bem e a compaixão, os dez não haviam se dado ao trabalho de iniciar qualquer processo regular de adoção das crianças, que têm entre sete meses e 12 anos. Ao serem presos, identificaram-se como integrantes de uma tal “New Life Children’s Refuge”, ligada a um culto de Idaho. Disseram, ainda, as crianças tinham vindo de “orfanatos que desabaram” ou entregues por “parentes distantes”.

Após serem libertadas, as crianças foram encaminhadas à entidade austríaca “SOS Aldeia das Crianças, cujo diretor, Georg Willeit, como registrou a NBC News, denunciou que “elas seriam vendidas - eu quero deixar isso claro - cada uma por US$ 10.000”. “Foi o que a polícia nos disse. Todas as crianças estavam desesperadas de fome e sede. Todas em más condições”. “Uma das crianças mais velhas nos disse, “Eu não sou órfã. Ainda tenho pais”, acrescentou Willeit. “Ela pensava que estava indo em férias de verão dadas por gente amiga da América e da República Dominicana”.

Ao ser informado do detalhe humanitário dos “US$ 10 mil por criança”, o ministro haitiano para Assuntos Sociais, Yves Cristalin, indignou-se: “Isso não é adoção, é roubo de crianças”. Ele acrescentou que o fato “está absolutamente fora da lei e serão julgados aqui”. “Nenhuma criança haitiana pode deixar o Haiti sem uma autorização regular e estas pessoas não tinham autorizações”, assinalou.

Já a embaixada norte-americana em Porto Príncipe declarou que está prestando assessoria aos delinqüentes de Idaho “de todas as maneiras possíveis”. As pressões já começaram, para que os dez sejam julgados nos EUA e não no Haiti, sob o pretexto de que quase todos os prédios do sistema judiciário haitiano foram destruídos pelo terremoto.

Depois do sismo de 12 de janeiro, o governo haitiano bloqueou grande parte das adoções para evitar que crianças fossem levadas para fora do país de modo irregular, sob risco de serem vendidas a redes de prostituição infantil, de tráfico de órgãos ou para trabalho em serviços insalubres. Medida apoiada pela organização da ONU para a infância, a Unicef.

A ministra de Comunicação e Cultura, Marie Lau-rence Lassec, ressaltou que o Haiti tem seu Sistema Judiciário e seus procedimentos e pediu respeito às normas do país. Ela confirmou que estão sendo realizadas investigações, pela Direção de Assuntos Sociais, para determinar quais crianças têm pais ou familiares vivos. As autoridades indicaram que algumas crianças “disseram que seus pais estão vivos e alguns deram endereço e números de telefone”.

Pais e parentes localizados pela agência France Presse na localidade de Callebas, perto da capital, relataram que os “missionários” disseram que as crianças iriam para um abrigo no país vizinho e poderiam ser visitadas. “Ninguém seria levado para adoção”. Os americanos até pegaram “informações de contato de todas as famílias”.

Publicado no Jornal Hora do Povo

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