segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Os EUA e a tragédia do Haiti

A última "invasão" do Haiti por mais de 12 mil soldados norte-americanos, após a tragédia
provocada pelo terremoto que arrasou o país e provocou a morte de cerca de 200 mil pessoas, foi
apenas mais um episódio na longa história de sofrimento desta nação latino-americana: as potências imperiais – Estados Unidos à frente – jamais perdoaram a “humilhação infligida à raça branca” desde quando os negros haitianos derrotaram as tropas de Napoleão em 1803, como lembra Eduardo Galeano.
O Haiti foi o primeiro país realmente livre das Américas, já que os EUA, a despeito de haver conquistado alguns anos antes sua independência, mantinha mais de meio milhão de escravos em seu território. Thomas Jefferson redigiu a Declaração de Independência dos Estados Unidos; e foi um senhor de escravos. Ele afirmou: “Todos os homens são iguais, mas os negros foram, são e serão inferiores”.
No "Espírito das Leis", Montesquieu afirmou: “Torna-se impensável que Deus, que é um ser muito sábio, tenha posto uma alma, e sobretudo uma alma boa, num corpo inteiramente negro”. Com este nível de consciência, dá para entender porque a Europa impôs ao Haiti a obrigação de pagar à França “uma indenização gigantesca a título de perdão por haver cometido o delito da dignidade” [Galeano], condenando os haitianos à miséria eterna.
Mas foi a partir de 1911 que os EUA começaram a invadir o Haiti, primeiro „comprando‟ o seu Banco Nacional; depois, em 1916, ocupando militarmente o país para „proteger‟ os interesses do seu banco e da Haitian American Sugar Corporation, ameaçados por uma rebelião popular.
Só em 1934 as tropas americanas saíram do Haiti por determinação do presidente Roosevelt.
Por pouco tempo; voltaram em 1950 para sustentar, até 1986, a ditadura sanguinária de François Duvalier (o Papa Doc) e de Jean-Claude Duvalier (Baby Doc). Na década de 1990, apoiaram o padre Jean-Bertrand Aristide para depois derrubá-lo do poder, por ter ensaiado uma resistência à violenta exploração norte-americana; em 2004, após ser reeleito com 92% dos votos, prenderam-no em casa e forçaram seu exílio. Desde então vive na África do Sul.
Foi a diplomacia brasileira – conjugada com a francesa e a de vários outros países – que não permitiu que a ocupação norte-americana, depois do exílio de Aristide, se consolidasse, tendo sido criada pela ONU uma missão de paz comandada pelo Brasil e obrigando os EUA a se retirarem do Haiti três meses depois. Esta foi uma derrota que ficou entalada na garganta do Tio Sam.
Hoje, no olho do furacão da desgraça haitiana e sem ser chamados, invadem o país com seus mariners (desprovidos de qualquer vocação humanitária), desconsideram a Minustah (a missão da ONU), ocupam o aeroporto de Porto Príncipe forçando aviões de vários países – com mantimentos, medicamentos e médicos – a voltarem para casa por não ter aonde aterrisar. É a forma utilizada pelo Departamento de Estado norte-americano para tentar interferir, pela enésima vez, nos destinos do sofrido povo do Haiti.
Por incrível que pareça, há quem acredite que os norte-americanos estão ali coma pretensão única de ajudar o país devastado pelo terremoto. Eles (os que acreditam nessa lenda) precisam ler Noam Chomsky!

Emerson Leal – Doutor em Física
Atômica e Molecular e vice-prefeito
de São Carlos.
E-mail: emersonpleal@gmail.com

Nenhum comentário: