quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Três anos de impunidade!


Thaís Ferreira era mulher do cobrador Wescley Adriano da Silva, de 22 anos, que foi tragado pela cratera quando entregava os convite do chá de bebê de seu filho, Cauã, hoje com 3 anos

O terrível acidente no canteiro de obras da futura estação Pinheiros do metrô de São Paulo, que causou a morte de sete pessoas e deixou 65 famílias desabrigadas no dia 12 de janeiro de 2007, completou três anos na última terça-feira. As investigações levaram à abertura de processo criminal por homicídio culposo contra 13 pessoas. Contudo, nenhum agente político foi responsabilizado pela tragédia. Apenas técnicos do Metrô e do Consórcio Via Amarela (responsável pela obra) foram apontados como responsáveis pelo acidente e acusados de imprudência e negligência.

E a morte de pessoas como Wescley Adriano da Silva, o cobrador de 22 anos que foi tragado pela cratera, está impune. Indignada, Thaís Ferreira Gomes, a viúva de Wescley, estava grávida à época do acidente. Cauã tem hoje três anos e recebe mensalmente R$ 590 do acordo feito com a construtora da obra.

“Sofro por ter perdido o pai do meu filho. A mãe dele sofre também por ter perdido um filho. Sinto que a morte do Wescley foi causada pela irresponsabilidade de alguém que não foi punido ainda”, afirmou Thaís à reportagem do canal R7 de notícias.

O desmoronamento do canteiro de obras abriu uma cratera de 80 metros de diâmetro e 30 metros de profundidade, que engoliu quatro caminhões, dois carros e uma van. Segundo as construtoras responsáveis pelo trabalho – o consórcio formado por Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, Odebrecht, OAS, Queiroz Galvão, Alstom e Siemens – o acidente aconteceu devido à instabilidade do solo da região, agravada pela chuva.

No entanto, operários da obra já previam o risco de desabamento meia hora antes do acidente e nenhuma medida foi adotada para evitar a tragédia. Na véspera do acidente, técnicos do consórcio também haviam detectado uma rachadura na parte superior do túnel próximo à estação Pinheiros. O desabamento foi 11º acidente grave nas obras da Linha 4, que já havia registrado afundamento e rachadura de imóveis, rachaduras na linha e vazamentos de gás.

As autoridades vinham sendo alertadas pelo Sindicato dos Metroviários de São Paulo, por deputados e entidades populares. Mas, após o acidente, o comportamento dos responsáveis – incluindo o governador José Serra – continuou sendo de omissão frente às tristes consequências do trágico acidente. “A obra é de responsabilidade das construtoras, inclusive a segurança dela. Elas ganharam a concorrência”, afirmou o governador, em seu único pronunciamento sobre o assunto.

Sem perceber, Serra expunha a raiz dos problemas que fizeram desabar o túnel na estação Pinheiros: omissão do governo do Estado e ganância do Consórcio Via Amarela. O fato é que o governo estadual se omitiu totalmente quando assinou um contrato do tipo “fechado” para a execução da obra, também conhecido como “turn key”, com o qual transferiu ao consórcio a definição do modelo de construção, o projeto e a fiscalização.

O promotor de Justiça que chefiou as investigações do acidente pelo Ministério Público Estadual, Arnaldo Hossepian Jr., declarou ao comentar o caso um ano depois que o desabamento “não foi um acidente, foi um crime”. O laudo do Instituto de Criminalística (IC) de São Paulo apontou que o fator preponderante foi a não paralisação das obras, uma vez que na véspera do acidente já havia indícios de que o canteiro poderia ruir.

A poucos dias de a tragédia completar dois anos, a denúncia do Ministério Público concluiu que se desconsiderou a incompatibilidade entre o projeto e a execução da obra, que não havia supervisionamento, que não foi feita nenhuma adaptação do projeto à realidade revelada durante a escavação, entre outras falhas ou omissões do gênero. Apesar disso, a denúncia não incluiu os verdadeiros responsáveis pela obra, sendo dirigida contra cinco funcionários do Metrô e oito do Consórcio Via Amarela.

Na peça de acusação, Hossepian Jr. ressaltou que as mortes poderiam ter sido evitadas caso o entorno do local tivesse sido interditado para o trânsito de veículos e pedestres “logo aos primeiros sinais do estado de risco iminente de ruptura do local (desmoronamento), sinais esses que possibilitaram a evacuação do subsolo”.

Marco Antonio Buoncompagno, José Roberto Leite Ribeiro, Cyro Guimarães Mourão Filho, Jelson Antonio Sayeg de Siqueira e German Freiberg estão entre os funcionários do Metrô denunciados. Os funcionários do Consórcio Via Amarela são o engenheiro Fabio Andreani Gandolfo, diretor do Consórcio, José Maria Gomes de Aragão, Alexandre Cunha Martins, Takashi Harada, Murillo Dondici Ruiz, Alberto Mota, Osvaldo Souza Sampaio e Luis Rogério Martinati.

Um laudo divulgado no dia 6 de junho de 2008 pelo IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) procura isentar de responsabilidades os chefes do governo de São Paulo pelo acidente. O documento cita, por exemplo, a aceleração da obra, sem, no entanto, designar quem seria o responsável pela ordem e de onde ela partiu. O IPT chega a isentar o Metrô da verificação da estabilidade das estruturas – segundo o estudo, o Consórcio Via Amarela era responsável por todos os riscos da construção.

Ainda assim, juristas especializados em direito administrativo são quase unânimes em apontar que os agentes políticos do Estado deveriam ser responsabilizados pelo acidente. “Ao descrever as causas, o IPT pode identificar falhas do projeto na execução e na qualidade dos materiais. Mas, quanto ao projeto e à execução, a responsabilidade é do órgão que contratou, uma responsabilidade objetiva”, afirmou Marcio Cammarosano, advogado especializado em direito administrativo e professor da PUC-São Paulo.

Publicado no Jornal Hora do Povo - Dias 13 e 14 de Janeiro de 2010.

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